sexta-feira, 26 de junho de 2009

Capítulo 1

O telefone toca insistentemente e eu me recuso a sair da cama, mas como a ligação é insistente, arrasto-me até a mesa e enfim atendo ao telefone. A voz do outro lado da linha é da minha mãe, parecia aflita e chorosa, não dizia nada com nada, entre soluços falava sobre uma criança... Doação... Doente... Filho... Aquela mulher... E silêncio. A ligação caiu.

Não deve ser nada sério, pensei enquanto me virava para voltar a sonhar, porém a voz da minha mãe não me saía da cabeça. Realmente não deve ser nada, deve ser algum caso clínico que minha mamãezinha precisa resolver e quer minha ajuda reafirmei e me forcei a voltar a dormir, olhei as horas, o relógio marcava 8 horas da manhã, um pouco cedo pra falar sobre pacientes, principalmente em um domingo, agora eu já estava desperto e bastante preocupado com aquele telefonema incógnito.

Levantei e liguei pra ela. Estava mais calma, mas eu sabia distinguir um nervosismo que ela tentava em esconder. Disse que tinha sim um assunto muito importante a tratar comigo e que não, não poderia ser na semana seguinte. Lá se foi meu domingo, mas com minha mãe não há acordo, eu sei disso desde os tempos primórdios da minha existência. Quando Lúcia quer, tem que obedecer. Desmarquei o almoço com a minha namorada e fui.

Minha mãe mora em uma cidade vizinha, um município da região serrana do Rio de Janeiro, conhecida por inúmeras atrações turísticas e, claro por seu clima frio romantizado em novelas. Sempre achei que Teresópolis não é uma cidade pra se morar, no máximo, um mês de estadia. Teresópolis não é nada daquele lugarzinho no meio do nada que os casais falam na TV, é um lugar pequeno, a smallville, como costumo chamar, tem pouca opção cultural, mas enfim, foi lá que minha mãe resolveu morar após sair de Belo Horizonte.

Teresópolis só agrada pelo clima realmente, já na subida da serra o vento fresco no rosto, nos forçando a desligar o ar e fechar os vidros do carro, a paz do lugar também é indiscutível, é um silêncio gritante que doem meus ouvidos urbanos.

Quando cheguei à casa da minha mãe, já passava de duas da tarde, a mesa do almoço ainda me esperava. Comi e tirei um merecido cochilo, o olhar da minha mãe me incomodava mais do que preocupava. Tava na cara que eu havia aprontado alguma coisa, porque no telefone ela disse: - Não posso acreditar que você tenha feito isso com sua família. Mas o que eu havia feito de tão grave a ponto de não poder adiar a conversa para a semana seguinte?

Sentamos na sala de estar e pausadamente ela me perguntava várias coisas sobre meu passado. Se eu conhecia a ‘Josi’, de onde eu a conhecia, e se eu havia tido algum contato recente com ela. Intrigado, disse que sim, que a conhecia desde o tempo em que eu morava em Smallville, mas que havia muitos anos que não nos víamos, uns cinco ou seis anos mais ou menos. Minha mãe empalideceu e numa calma irritante me contou o que sabia. Eu, então estava prestes a entrar em um mundo do qual tudo parecia irreal, um universo paralelo, uma história de mau gosto cujo protagonista e vilão era eu.

Uma moça que atende pelo nome de Josi, procurou minha mãe em seu trabalho, ela queria marcar uma consulta para seu filho, o Lucas. O menino estava com taquicardia há alguns dias e o diagnóstico dele não era dos mais simples, ele tinha leucemia e precisava urgentemente de um transplante de medula óssea. Mas a procura pela ajuda profissional da minha mãe, não havia sido por acaso. Josi e eu tínhamos tido um caso no passado, daqueles sem compromisso, sem cobrança, puro sexo casual. Eu era casado e tinha uma filha, e ela noiva, com o casamento marcado. O fruto desses encontros foi o Lucas. Ela tinha certeza disso tanto quanto a certeza de seu nome. Segundo minha mãe, ela só resolveu a procurar porque ao que parecia, ela tinha chegado ao fim da linha, não sabia a quem recorrer. O tratamento do Lucas era caro, invasivo e as chances de encontrar um doador em família eram maiores do que nos hemocentros Brasil a fora.
À medida que minha mãe ia falando, era como se um tiro me acertasse, e eu morrendo a cada revelação, não porque eu tinha medo de um adultério vir à tona, mas de descobrir um filho. Um filho com seis anos de idade, um filho com uma doença grave e talvez, incurável. Um filho do qual praticamente haviam se esgotado suas chances de encontrar um doador em família, eu representava uma grande chance de compatibilidade

2 comentários:

Anônimo disse...

A gente pensa que certos prazeres serão só prazeres... até sentir a dor - que nem é nossa.

Eu tenho certeza que Lucas vai vencer essa!

bjs

Dr.do absurdo disse...

Amém. Confio nisso mais que todos.